domingo, 29 de junho de 2014

Chile: vaias ao hino...nunca mais!

Allende e Cazsely

Ontem, no sufoco, o Brasil precisou dos pênaltis para passar para as quartas-de-final, evitando uma eliminação que poderia ser traumática ao futebol brasileiro. Ao contrário das outras três oportunidades em que o Brasil enfrentou o Chile em Copas e ganhou com tranquilidade (a primeira em 62, no Chile, na semifinal - com Garrincha como protagonista - e as duas últimas em oitavas-de-final), ontem o jogo não foi nada fácil.

Após a partida, foi comum perceber nas redes sociais e nas conversas com amigos a procura pelas razões das dificuldades encontradas: a imobilidade do Fred, a marcação sobre Neymar, a falta de articulação no meio campo, os erros individuais, etc. Mas se houve algo que realmente envergonhou a todos foi a vaia de parte da torcida presente ao estádio para o hino chileno cantado à capela.

Não me lembro de alguma ocasião em que tal estupidez tenha ocorrido. Nem mesmo nos anos de guerra fria em confronto entre países rivais atitude tão vil foi presenciada. E parar piorar, foi feita justamente para um país sul-americano, com uma história tão próxima da nossa.

Um dos fatos mais lamentáveis que une Brasil e Chile foi o fato de terem sido, ambos, cenários de golpes militares em períodos próximos. Enquanto o Brasil teve seu golpe em 1964, no Chile, o ano trágico foi 1973, mais precisamente no 11 de setembro deles quando o Palácio de La Moneda sofreu ataques sob a liderança do Gal. Pinochet, tirando da presidência o governo democraticamente eleito de Allende que acabou morrendo. Nos dias seguintes, o Estádio Nacional, local feito para espetáculos de futebol, serviu como palco de horror para mais de 12 mil presos políticos, detidos e torturados.

Este triste episódio ocorreu justamente enquanto Chile e URSS estavam disputando uma vaga na repescagem para a Copa do Mundo de 1974. Após empate no primeiro jogo em Moscou em 0 x 0, a URSS solicitou a Fifa que alterassem o jogo de volta para não jogar no Estádio Nacional, que havia se transformado em verdadeiro campo de concentração. Diante da recusa em alterar o local, a URSS optou por não comparecer e no dia 21 de novembro a seleção chilena entrou em campo sozinha. O árbitro deu início de partida com apenas uma seleção em campo. Seus jogadores tocaram a bola até Valdéz concluir contra o gol “adversário” vazio: https://www.youtube.com/watch?v=Fb5KpkSajpw

Um dos principais jogadores daquela seleção chilena esteve em campo a contragosto: Carlos Cazsely, "El Chino". Trata-se de um dos maiores atacantes da história do Chile que além de artilheiro nos times e na seleção, conseguiu levar o Colo-Colo para a final da Copa Libertadores em 1973, competição na qual acabou como artilheiro (o primeiro e único jogador chileno a atingir este feito). Tornou-se uma verdadeira lenda em seu país, fato que nem o pênalti perdido na Copa de 82 conseguiu apagar.

Se era craque dentro de campo, fora teve um desempenho ainda mais relevante. Trata-se de um dos poucos esportistas da América do Sul que se levantou contra ditaduras daquela época. Opositor ao ditador Pinochet, Cazsely nunca teve medo de emitir suas opiniões políticas e  negava-se a cumprimentar o ditador enquanto era jogador da seleção chilena. Perseguido pelo regime durante o auge da sua carreira, teve sua mãe presa e torturada e precisou jogar em times espanhóis.

Após encerrar a carreira, encampou sem medo a campanha pelo “Não” no plebiscito que decidiria, em 1988, se Pinochet poderia ou não concorrer a mais um mandato de 8 anos. Com o seu prestígio, contribuiu para o fim da ditadura, motivo de grande celebração no país, sob o lema “Nunca mais!”. Neste vídeo, Cazsely fala sobre este período e aparecem imagens dessa época: https://www.youtube.com/watch?v=BXcK-CFAhCI

Enfim, trata-se de exemplo de luta não só dentro de campo, mas fora dele também, já que no meio futebolístico é muito difícil ver alguém com atitudes políticas tão corajosas.

Por fim, este Blog optou por fazer deste relato uma homenagem não só ao Cazsely por tudo que representou ao seu país, mas ao povo chileno que merecia muito mais respeito por parte do público que esteve no estádio ontem e envergonhou a história das Copas ao vaiar um hino nacional.

Assim como o Chile celebrou em 1990 o “nunca mais” ao regime militar, espero que nunca mais aqueles que têm frequentado estádios na Copa tenham atitudes tão lamentáveis.

sábado, 28 de junho de 2014

Alemanha: dá um Klose nela!


Termina a primeira fase em uma Copa do Mundo repleta de grandes jogos, muitos gols, algumas surpresas e com destaque para as poucas seleções que conseguiram confirmar seu favoritismo inicial e se classificaram sem maiores sustos: Brasil, Argentina, Holanda, França e...Alemanha.

Trata-se aqui de uma menção especial. Historicamente seu protagonismo em Copas é inegável. Com três títulos (dois em que venceu seleções então favoritas) e três vice-campeonatos, é a seleção com maior número de jogos me Copas, mesmo com menos participações do que o Brasil (não jogou em 1930 e em 1950).

Além disso, duas das partidas que estão entre as mais emocionantes da história das Copas teve a Alemanha em campo. A primeira foi na semifinal de 1970, contra a Itália. No tempo normal, a Itália saiu na frente no inicio do jogo e segurou até o finalzinho do jogo, quando a Alemanha conseguiu finalmente empatar. Na prorrogação, cinco gols, viradas e emoções em trinta minutos, que contou ainda com Beckembauer jogando (e muito) com o ombro imobilizado desde os 25 minutos do 2º tempo. Final, 4 x 3 para a Itália, no que foi considerado, para muitos, o “jogo do século”. Vale a pena conferir:

Doze anos depois, outra semifinal heroica, desta vez contra a França. Outro 1 x 1 no tempo normal e desta vez, após a França abrir 3 x 1 na prorrogação, a Alemanha foi buscar o empate e conseguiu passar para a final após as cobranças de pênaltis. Outro jogo épico que pode se repetir nas quartas-de-final desta Copa, caso ambas passem pelos seus adversários africanos:

Até 2006, a Alemanha tinha o artilheiro de todas as Copas, Gerd Muller com 14 gols marcados entre 1970 e 74, quando Ronaldo superou totalizando 15 gols marcados nas Copas de 1998, 2002 e 2006.

Agora outros dois alemães podem dar o troco. Um é outro Muller, o Thomas, que embora esteja ainda com 8 gols, tem apenas 24 anos e com pelo menos duas Copas a mais para disputar (fora a atual), tem condições para superar posteriormente os 15 gols.

Outro merece destaque especial. Trata-se de Miroslav Klose. Polonês de nascimento, naturalizado alemão, entrou no emocionante jogo contra Gana na primeira fase desta Copa do Mundo e com poucos minutos já igualou o recorde atual de 15 gols. Poderá ter oportunidades para ultrapassar o Ronaldo ainda nesta Copa do Mundo.

Embora nem de longe tenha a mesma categoria para fazer gols, em caráter supera muito o brasileiro. Além de artilheiro, o atacante deve ser um dos jogadores que mais fez na prática pelo tão propagado “fair play” na história do futebol. 

Em 2005, jogando pelo Werder Bremen pelo campeonato alemão, após cair na área em uma disputa de bola com o goleiro adversário e ver o árbitro marcar pênalti, avisou-o que não havia sofrido falta, abrindo mão do pênalti injusto.

Em 2012, repetiu a dose jogando pela Lazio contra o Napoli no campeonato italiano. Após ver seu gol marcado com a mão validado pelo árbitro, avisou-o sobre a irregularidade no lance, que foi invalidado imediatamente, de baixo de aplausos da torcida rival para sua atitude.



Por isso, ainda que o Ronaldo seja brasileiro (sem muito orgulho e tampouco amor), torço para que o Klose marque mais uma vez e supere o recorde. Para o bem do futebol, um jogador com essas qualidades tão raras hoje em dia merece muito ter seu nome ligado à história das Copas. E que o salto mortal que usa para comemorações seja o símbolo da dignidade não só na bola, mas na vida. 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Brasil de1982, quando o futebol encarrega-se de prestar homenagens


No final de semana entre os dias 14 e 15 de junho de 2014, tive uma experiência memorável. Pela primeira vez participei de uma transmissão de um jogo para rádio. Oportunidade única proporcionada pela rede Band News Fluminense, que em conjunto com a Bradesco FM, está transmitindo todos os jogos da Copa do Mundo para as rádios.
   
O primeiro jogo que participei como comentarista convidado foi Colômbia x Grécia. Confronto que opôs duas escolas distintas: por um lado, uma seleção sulamericana criativa com destaques individuais (ainda que sem Falcao Garcia, seu principal craque).

Do outro lado, um time que embora conte com jogadores como Samaras, meia do Celtic responsável pelas principais ações ofensivas do time helênico, tem como principal característica a disciplina tática baseada no forte sistema defensivo. Um dos destaques é Sokratis Papatathospoulos, zagueiro do Borussia Dortmund. Com bom posicionamento no lado esquerdo da zaga, acaba sendo responsável pelas saídas de jogo do limitado time grego.

Pelo lado da Colômbia, fiquei impressionado pela boa movimentação do meia Cuadrado, que joga uma bola redonda e participa intensamente do jogo, além da categoria de James Rodrigues. Por fim, diante do futebol apresentado, lamentei apenas a ausência de Falcao Garcia. Além de ser o jogador de maior destaque, teríamos presenciado um curioso confronto entre Sokratis e Falcao em uma Copa disputada no Brasil. Simbolicamente, um duelo desses seria uma bela “homenagem” àquele esquadrão brasileiro que encantou o mundo em 1982.

Para a minha geração, aquela seleção treinada por Telê Santana foi a que mais aproximou o futebol do espetáculo. Esbanjando categoria, toques refinados, e muita movimentação, o time de Sócrates, Falcão, Zico e Cerezo deu verdadeira aula de futebol que, de quebra, serviram para mostrar que na vida, mais importante não é o fim, mas sim o caminho. A partir daquela Copa, passei a entender que conquista do título não era o único objetivo, mas apenas a coroação de um time que deixou ótimas recordações não apenas para os brasileiros, mas para todos os amantes do futebol-arte.

A excelente impressão que a seleção brasileira deixou naquela Copa não é papo de saudosista. Na edição da revista Placar de 16 de julho de 1982 (logo após o término da Copa vencida pela Itália), a coluna do Alberto Helena Jr já abordava isso no calor dos acontecimentos: “foi o Brasil que deu cores, alegria e que abriu perspectivas para o ressurgimento do futebol elegante, ofensivo, inventivo, velho-novo, enfim.” Depois, conclui a coluna dizendo que a TV Espanhola, durante a transmissão do jogo da semifinal entre Polônia e Itália, suspirou pela ausência do nosso time: “o único capaz de conferir ao futebol que hoje se joga no mundo aquele toque especial de classe e eficiência, combinadas ao nível quase do ideal”.  As demais colunas e reportagens refletiam esse mesmo espírito.

Tal como a Hungria em 1954 e a Holanda em 1974, aquela seleção marcou a história do futebol e passou a ser celebrada e comentada mesmo sem ter sido campeã. Vale a pena conferir o vídeo com os 15 gols brasileiros que marcaram a campanha com a narração do Falcão, o brasileiro, protagonista daquele espetáculo.


Diante de tal quadro, é plenamente compreensível que o craque ausente da Colômbia atual tenha esse nome justamente como homenagem ao craque Falcão daquela seleção, como comprova em depoimento Radamel Garcia, o pai de Falcao Garcia: Em 1982, durante a Copa da Itália, eu fiz uma promessa de que se tivesse um filho homem, ele se chamaria Falcao. Fiquei encantando com o futebol dele". Pelo jeito, a inspiração deu resultado não só para este jogador, mas para o time inteiro da Colômbia que vem jogando muito bem nessa Copa.

domingo, 8 de junho de 2014

Costa Rica e seus guarda-metas


Gabelo Conejo, na Copa do Mundo de 1990.

A Copa do Mundo de 1990, disputada na Itália, entrou para a história como aquela com menor média de gols na história, com apenas 2,21 gols por partida. Em um torneio com essa marca, naturalmente alguns dos destaques fossem goleiros, como simbolicamente ocorreu com a Costa Rica.

Disputando sua primeira Copa, o time da América Central surpreendeu a todos ao conseguir ficar em 2º. lugar em seu grupo, vencendo as tradicionais Escócia e Suécia (perdeu apenas para o Brasil por 1 x 0).  Um feito muito comemorado nas ruas de San José e demais cidades costarriquenses que nem a eliminação pela Tchecoslováquia nas oitavas-de-final apagou.  

Naquela Copa do Mundo, é comum que muitos se lembrem das atuações de Walter Zenga, goleiro italiano que ficou 517 minutos sem tomar gols, estabelecendo um recorde que permanece até hoje. Entretanto, para a revista France Football, o melhor goleiro naquela oportunidade foi outro: Gabelo Conejo, da surpreendente Costa Rica, autor de defesas impressionantes contra Escócia, Brasil e Suécia, jogo em que acabou se machucando e desfalcou o time no confronto seguinte. Vejam alguns momentos contra a Escócia (https://www.youtube.com/watch?v=ECdVHYcZCHs).

Com aquelas atuações, o goleiro, que até então jogava no Cartagines, da Costa Rica (todos os jogadores daquela seleção jogavam no futebol local), foi contratado pelo Albacete da Espanha, onde teve destaque por três temporadas. Além de ser eleito o melhor da Copa, a France Football elegeu-o ainda um dos 100 melhores jogadores da história das Copas no final dos anos 1990. Sem dúvida um feito para um arqueiro costarriquenho.

24 anos depois, a Costa Rica chega a sua 4ª. Copa e tem suas esperanças (ainda que bem reduzidas diante do Grupo da Morte em que caiu [1]) depositadas novamente nas mãos de um arqueiro: Keylor Navas. Depois de, coincidentemente, passar pelo Albacete, na última temporada foi destaque no campeonato espanhol jogando pelo Levante e acabou eleito o segundo melhor goleiro (atrás apenas do belga Courtois, do Atlético de Madrid). Caso repita suas atuações, a Costa Rica pode almejar alguma coisa. Segue algumas defesas do Navas. https://www.youtube.com/watch?v=763EGs3pVDk.

Nada mais natural que os destaques naquele país sejam goleiros que transmitam tranquilidade e não atacantes. Trata-se de um país pacífico que goza de uma estabilidade política de fazer inveja aos seus vizinhos da América Central. Além de ser destaque na área ambiental atualmente, outro feito daquela pequena nação é o fato de que tenha extinguido suas forças armadas em 1948 (consolidando na Constituição de 1949), sendo o primeiro país do mundo a adotar tal medida. Eu descobri isso apenas semana passada, quando reencontrei o Renato, um velho amigo de infância que está casado com uma costarriquense, mora naquele país e hoje torce também pela Liga Alajuelense (conhecido como “La Liga”). Ou seja, de fato é um país que sabe se defender muito bem, seja no campo político, seja nos gramados do futebol.

Diante da verdadeira pedreira que tem pela frente ao enfrentar Uruguai, Itália e Inglaterra, certamente precisará continuar contando com grande goleiro. E os adversários que se cuidem, pois Suécia e Escócia também não contavam com tropeços em 1990.

[1] Será a primeira vez na história que uma seleção tem que enfrentar logo na fase de grupos, três ex-campeãs mundiais: Uruguai, Itália e Inglaterra.



sábado, 7 de junho de 2014

Argélia, de Camus a Madjer

Madjer fazendo o gol contra a Alemanha em 82

Nascido na Argélia antes de sua independência, o filósofo e escritor Albert Camus notabilizou-se não apenas por suas grandes obras literárias, mas também por suas lutas por causas sociais. Ainda na Argélia, denunciava o tratamento dado aos árabes pelos franceses. Posteriormente, na França ocupada pelos nazistas, fez parte da Resistência.

Entretanto, uma faceta menos conhecida do escritor era o seu gosto por futebol. Ainda na juventude, chegou a jogar como goleiro em um time na Argélia e só não seguiu carreira devido a uma tuberculose. Passou a vida fazendo referências ao futebol e assistindo jogos. Uma interessante reportagem sobre isso, incluindo a visita ao Brasil em 1949 está aqui.

Morreu em 1960, vítima de acidente de carro sem assistir não apenas a independência da Argélia em 1962, como também o seu país natal disputar uma Copa do Mundo. Tal como Camarões, a seleção da Argélia chegou a sua primeira Copa em 1982 ao bater a Nigéria no jogo decisivo, com gol de um atacante até então desconhecido, chamado Rabah Madjer.

No ano seguinte, na Copa, a estreia foi contra a poderosa Alemanha Ocidental que contava com Rummenigge, Breithner, Schummacher entre outros. Ao contrário do que a grande maioria poderia supor, a Argélia foi pra cima e venceu por 2 x 1, sendo que o primeiro gol foi marcado novamente por Madjer, ainda desconhecido mundialmente.

Após derrota para a Áustria, a Argélia venceu o Chile e teve que aguardar o resultado entre Áustria e Alemanha Oc. para confirmar ou não sua classificação (o único resultado que a eliminaria seria vitória alemã por um gol). Com dez minutos de jogo a Alemanha fez 1 x 0 e durante o resto do jogo, o que se viu foi uma vergonha: os dois times abdicaram do jogo e ficaram tocando a bola de lado, esperando o tempo passar sob vaias do público presente. A Argélia voltou pra casa eliminada, mas de cabeça erguida pelo belo futebol apresentado.

Após a Copa, Madjer foi jogar em times europeus e chegou, sem alarde, ao Porto, de Portugal em 1985. No primeiro jogo, entrou no segundo tempo contra o Belenenses e foi decisivo na virada por 3 x 2 ao marcar dois gols. Em três temporadas, ganhou tudo que podia e tornou-se um dos maiores ídolos da história do time daquele time português. Simbolicamente, a consagração viria novamente contra os alemães, na final da Copa dos Campeões contra o Bayern, quando fez um gol sensacional de calcanhar (após passe do brasileiro Juari) e o Porto sagrou-se pela primeira vez, campeão europeu.

Meses mais tarde, debaixo de uma nevasca impressionante no Japão, o argelino não se acovardou, fez mais um gol decisivo a ajudou seu time ao chegar ao título mundial contra o Penarol.

Camus diria que “tudo quanto sei com maior certeza sobre a moral e as obrigações dos homens devo-o ao futebol.” Como uma bela paródia, após a Copa de 82, Madjer foi um jogador que deu orgulho aos argelinos, venceu na Europa, ganhou dos alemães chegou a topo do mundo.  Uma trajetória que certamente daria orgulho a famoso escritor.


Agora a Argélia retorna sem grandes estrelas, mas pelo menos com uma bela história para contar. 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Camarões: o nascimento dos leões indomáveis


Quando se fala na seleção de futebol de Camarões, a primeira recordação que vem à tona refere-se à brilhante participação na Copa do Mundo de 1990, quando foi a primeira seleção africana a chegar até as quartas-de-final e foi eliminada em um jogo memorável depois de ter a classificação muito próxima. Entretanto, para entender o sucesso daquele time, importante resgatar episódios mais antigos dessa seleção africana que não sejam tão conhecidas assim, já que não teria muito que acrescentar ao já folclórico time camaronês que marcou o mundo em 1990.

Doze anos após conquistar sua independência, em 1972 Camarões sediou a Copa Africana de Nações, principal torneio continental de futebol. Nessa ocasião chegou à terceira colocação (o primeiro título viria somente em 1984), mas imagens da época servem de importante pista para identificarmos a origem não só daquele futebol despretensioso e bonito de se ver, mas também da empolgação da sua torcida, assim como seus ritmos e músicas.

Esse documentário apresentado a seguir mostra, além de imagens dos principais jogos, incluindo a semifinal em que Camarões foi eliminado por Mali e a final que consagrou Congo, cenas de danças típicas, certamente fruto das inúmeras etnias que formam esse país.

Já em 1982, Camarões chegou a sua primeira Copa do Mundo. A classificação veio com uma vitória frente à seleção de Marrocos diante de 130 mil expectadores no estádio Ahmadou Ahijdjo de Yaoundé. Segundo relatos daquela época, “foi o maior acontecimento no país desde a festa pela independência, em janeiro de 1960. Uma espécie de delírio coletivo tomou conta da população, obrigando o presidente da República a decretar feriado nacional no dia seguinte para que todos pudessem se refazer dos excessos” [1].

Era a 2ª. vez na história que uma jovem nação da África negra chegava a uma Copa do Mundo. Considerando que a primeira participação tinha sido a seleção do Zaire em 1974, que terminou em último com três derrotas, 14 gols sofridos, com a maior goleada até então (9x0 contra Iugoslávia) e sem marcar um gol sequer, mesmo com toda euforia, a expectativa pela seleção de Camarões não era das maiores.

Isto fica evidente na própria reportagem da revista Placar citada anteriormente, que finaliza a mesma citando que “é de se convir que as pretensões de Vicent (técnico francês da seleção de Camarões naquela Copa) são muito arrojadas e desta vez será muito difícil acontecer uma grande festa na fanática Camarões”.

Outro reflexo deste pessimismo antes da Copa estava estampado no álbum de figurinhas da Copa de 1982 publicado pela Ping Pong (de grande sucesso entre a garotada naquela época, inclusive comigo). Enquanto para a maioria das seleções o álbum tinha figurinhas de 11 jogadores, para Camarões, assim como outras consideradas zebras (Argélia, Nova Zelândia, Honduras, El Salvador e Kuwait), tinham apenas quatro jogadores retratados (ilustração do post). No caso de Camarões, eram o grande goleiro N’kono, o armador Lea Dumbe, Tokoto (atacante mais conhecido naquele time) e Abega, o capitão. Se não conseguiu se classificar na 1ª.fase daquela Copa, pelo menos aquela seleção deixou boas lembranças ao sair invicto com três empates contra Peru, Polônia e Itália, sendo eliminado apenas pelo critério de gols marcados diante da Itália que seguiu na Copa e terminou campeã.

Dois anos depois, novamente Camarões ficou em festa devido ao futebol, com a 1ª. conquista da Copa Africana de Nações em torneio sediado na Costa do Marfim. Na final venceu de virada a Nigéria por 3 x 1, sendo que Abega foi autor de um dos gols (https://www.youtube.com/watch?v=L3kK-zEWfys).

Diante de tal feito, é compreensível que o falecimento de Abega em 2012 acabou causando uma comoção nacional. Embora menos conhecido por essas bandas em relação a outros jogadores camaronenses como N’Kono, Roger Milla ou Samuel Etto, Abega teve um papel importantíssimo na consolidação daquele país como uma das principais seleções africanas.


Pode ser que não passe da 1ª. fase neste ano, mas é melhor não menosprezar a empolgação desta seleção africana com maior número de participações em Copas do Mundo (será sua 7ª. vez).  

[1] Revista Placar, nº 625, de 14 de maio de 1982.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Irã, onde o futebol move montanhas

Momento em que os jogadores posaram juntos antes do jogo entre Irã e EUA na Copa do Mundo de 1998.

Em 1968, o Irã sediou a fase final da Copa das Nações Asiática de futebol, principal torneio continental,  e chegou ao jogo decisivo de contra Israel.  Ao contrário de países árabes, o ditador Xá Reza Pahlevi que governava o Irã reconhecia o país judeu e aceitava competir no âmbito esportivo, de modo que, visando estreitar laços com os EUA, queria que todo o povo iraniano, presente ou não ao estádio, apoiasse Israel.

Entretanto, naquela ocasião o povo iraniano, em sua grande parte, não estava de acordo com essa política e concentrou todos os esforços para pressionar Israel durante o jogo.  Incentivada por um estádio lotado, a seleção iraniana foi pra cima, ganhou de 2 x 1 e faturou o seu primeiro torneio continental. De acordo com Foer (2005), esta vitória “adquiriu um significado mítico. Compositores populares transformaram-na em canções. Os jogadores viraram ícones nacionais cujos chutes e passes eram recriados pelas crianças em milhares de peladas em ruas” [1].  Confira lances da partida aqui:

Dez anos depois, ainda sob o governo de Xá Reza Pahlevi, o futebol iraniano chegou pela primeira vez em sua história a uma Copa do Mundo, disputada na Argentina, quando perdeu dois jogos e conseguiu um empate com gosto de vitória contra a Escócia.

Naquela época o futebol já assumia um caráter fundamental não só culturalmente dentro do país persa, como também politicamente.  O fato é que o futebol desperta tanta paixão naquele povo que é capaz de levar uma média de 100.000 torcedores ao estádio Azadi sempre que estõ em campo Persépolis e Esteghlal, os principais times de Teerã. Persépolis, o time vermelho, é o mais popular enquanto Esteghlal, time azul que na época do Xá Reva Pahlevi chamava-se Taj (significa Coroa), estava mais ligado com a elite iraniana.

Com a revolução iraniana de 1979, Aiatolá Khomeini assumiu o poder e, buscando diminuir o que julgava ser influência ocidental na cultura local, tentou minimizar a importância do futebol (o Taj virou Esteghlal na tentativa de desassociar com “Coroa”). Foi proibida a presença de mulheres nos estádios e intensificado o controle sobre manifestações de torcidas. Entretanto, logo foi constatado que não seria tarefa tão simples assim. Embora o país, em guerra contra o vizinho Iraque, não tenha disputado eliminatórias para a Copa do Mundo de 82 e 86, o futebol continuava ter uma importância muito grande, comprovada quase vinte anos depois.

Em 1997, ao obter a classificação em um jogo eliminatório contra a Austrália para a Copa do Mundo de 1998, o governo local retardou em três dias o retorno da seleção para casa com receio de que novas comemorações nas ruas fugissem do controle. Mas de nada adiantou e até um grupo relativamente grande de mulheres conseguiu romper a proibição e comparecer ao estádio para aclamar seus jogadores na sua chegada. Aos policiais locais, restou fazer vistas grossas à tamanha “heresia”. No ano seguinte, em sua segunda Copa do Mundo, com gols de Estili e Mahdavikia, a seleção iraniana conseguiu sua primeira vitória nesse torneio justamente diante dos EUA, no que ficou conhecido como “jogo da paz”. Antes do início os times ainda posaram juntos para foto e os jogadores iranianos, em um belo gesto, presentearam os jogadores estadunidense com flores.

A euforia com a vitória foi tanta que acabou se transformando na maior manifestação popular desde a Revolução Iraniana de 1979. Além disso, as manifestações de um grupo de exilados iranianos chamado Mujahidin nas arquibancadas francesas acabaram sendo motivo de preocupação a mais para o governo dos Aiatolás.

Agora, às vésperas de sua 4ª. Copa do Mundo, no momento em que o governo iraniano tenta proibir mulheres de assistirem jogos em locais públicos ao lado de homens, a esperança é de que o futebol local continue servindo de combustível para impulsionar importantes mudanças no campo social que a sociedade iraniana tanto tem lutado. É esperar pra ver... e torcer.

[1] FOER, Franklin. Como o Futebol Explica o Mundo, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2005.