sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A pequena grande Samoa Americana e suas lições ao mundo

Jaiyah Saelua, entrando em campo pela Samo Americana 

Outro dia assisti ao filme-documentário “The Next Goal Wins” (http://nextgoalwinsmovie.com/), que trata da história recente da seleção de futebol da Samoa Americana, um pequeno pais (ainda que dependente dos EUA) na Oceania e que, até pouco tempo atrás ocupava o último lugar no ranking da Fifa.

Ficha técnica do jogo contra Australia
Tendo como ponto de partida o jogo disputado no dia 11 de abril de 2001, quando sofreu uma incrível derrota de 31 x 0 contra a Austrália pelas eliminatórias para a Copa de 2002, o filme retrata a luta para que sua seleção, formada por jogadores amadores, saísse da incômoda situação de ser considerada a pior do mundo. Desde o fatídico resultado frente à Austrália (jogo em que 21 dos 22 convocados não puderam representa-la por terem outro passaporte e acabou reunindo às pressas jogadores com cerca de 15,16, 17 anos) até as eliminatórias para a Copa do Mundo de 2014, disputada no final de 2011, foram disputados 30 jogos e nenhuma vitória, com 12 gols marcados e 229 sofridos.


Após mais uma pífia campanha em um torneio da Oceania em 2010, a federação local decidiu contratar um técnico de fora que pudesse dar um rumo àquele time e chegar, pelo menos, a uma vitória. Em 2011, chegou Thomas Rongen, um holandês, até então técnico da seleção sub-20 dos EUA, único que se candidatou ao peculiar emprego.

O time começou a treinar de forma mais organizada visando às eliminatórias para a Copa de 2014. No dia 22 de novembro de 2011, na primeira fase das eliminatórias na Oceania, em Ápia, Samoa, a seleção da Samoa Americana entra em campo para enfrentar Tonga e após abrir dois gols de vantagem, leva um e já sem fôlego, consegue segurar o resultado, comemorado como se fosse um verdadeiro título. Para os desavisados, este jogo pode não representar nada, mas para a pequena Samoa Americana representou a primeira vitória daquela seleção e entrou para a história do futebol mundial. Após um empate no segundo jogo contra Ilhas Cook e uma derrota com um gol no último minuto frente à vizinha Samoa, a Samoa Americana pôde, mesmo eliminada, comemorar o fato de, pela primeira vez, ter jogado de igual para igual com seus adversários.

Veja os gols do jogo heróico jogo contra Tonga: 

O filme “The Next Goals Wins”, muito bem dirigido, consegue demonstrar esse heroísmo de seus protagonistas através de várias histórias individuais que estão por trás da epopeia deste verdadeiro exército de Brancaleone do futebol.

Pode-se destacar, por exemplo, o técnico Thomas Rongen, que passa a se identificar com aquele simpático grupo de jogadores e acaba encontrando naquela missão uma nova razão de viver após passar por um drama pessoal  ao perder uma filha em um acidente de carro e talvez, por isso, tenha decidido recomeçar a vida na longínqua Samoa Americana.

Outro que merece atenção especial é o goleiro Nicky Salapu .  Trata-se do mesmo que, 10 anos antes, tinha levado 31 gols da Austrália (e feito defesas importantes, diga-se) e convivia, desde então com esse pesadelo. Na tentativa de esquecer, ele muda-se para os EUA, mas acaba sucumbindo aos apelos para retornar ao selecionado de seu país, disposto a apagar o que ele considerava um vexame e reescrever a história.

Mas o maior destaque de toda essa trajetória fica por conta de Johnny/Jaiyah Saelua. Trata-se de uma jovem zagueira que foi o primeiro transexual a disputar uma partida de futebol oficial. Registrado como Johnny, teve que jogador futebol masculino desde os 15 anos e naquela vitória contra Tonga acabou eleita a melhor em campo. Antes desse jogo, já adotava o nome Jaiyah. Em entrevista ao site Mais Futebol, de Portugal, em dezembro de 2011, Jaiyat declarou:

A Samoa Americana, assim como outros países do Pacífico com cultura polinésia, aceitam os fa’afafine. São pessoas que nascem homens, mas que se sentem mulheres desde muito cedo. É algo aceite em quase todos os aspectos da sociedade, embora no esporte seja um pouco mais difícil”.

O filme citado emociona como a questão de ser fa’afafine (o que para leigos seria transexual) é totalmente natural por todos em Samoa Americana. Trata-se de uma não-questão, algo que não causa estranhamento entre os demais jogadores e torcedores locais. O técnico holandês salienta a importância dela para o ambiente do time em termos de respeito e união do grupo. E lamenta que isso não aconteça no resto do mundo: “Na verdade, tivemos uma mulher atuando como zagueiro central. Você consegue imaginar isso na Inglaterra ou na Espanha?”

Nas entrevistas de Jaiyah Saelua, fica muito evidente a sua felicidade em jogar em um ambiente familiar, em que se sente tão bem. Ambiente este que infelizmente ela não encontrou quando tentou jogar futebol no Havaí, onde foi estudar artes cênicas.

De fato, é de se emocionar que em um país em que seus jogadores buscam em campo nada mais do que jogar com dignidade, seja palco de uma história exemplar para o mundo ocidental, inclusive o Brasil de tantos títulos no futebol, mas que certamente ainda imaturo para lidar com questões de respeito às diferenças, como determinados candidatos deixam tão evidente.


Com essa história, a pequena Samoa Americana, de heróis como Jaiyah e Salapu ganhou definitivamente meu respeito e minha torcida. Que seja um exemplo para o mundo.