segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Neneca e a morte do bife com batatas no futebol

 
Figura do Neneca no Futebol Cards (frente)
Foi com um misto de pesar e nostalgia que soube do falecimento de Neneca (Hélio Miguel, de batismo) ontem, 25 de janeiro de 2015, aos 66 anos, goleiro nos anos 1970 e 1980, com passagens vitoriosas por Londrina, Náutico, Guarani e Operário-MS, entre outros.

Nascido em Londrina, onde começou a carreira, Neneca desde o início destacou-se e acabou despertando interesse do América-MG em 1973, onde participou da melhor campanha daquele time na história dos Campeonatos Brasileiros, terminando em 7º lugar.

No ano seguinte, no Náutico, além da conquista estadual em 1974, passou incríveis mais de 18 jogos (1636 minutos) sem tomar gol, estabelecendo o recorde mundial (nos campeonatos cariocas de 1977 e 1978, Mazzarópi, no Vasco teria batido esse recorde em uma contagem polêmica, já que não se trata de jogos seguidos).

Mas foi no Guarani, em 1978, que obteve seu maior feito ao sagrar-se campeão brasileiro em um time do interior (feito inédito até hoje). Acompanhei essa trajetória de perto pois morava em Campinas e posso afirmar que mesmo sem ser bugrino, jamais esquecerei aquela escalação vitoriosa (a melhor da história do Bugre): Neneca, Édson, Mauro, Gomes e Miranda; Zé Carlos, Renato e Zenon; Capitão, Careca e Bozó.  Time de jogadores com nomes simples e apelidos, fato que certamente contribui para sua fácil memorização. No jogo decisivo de 1978, contra o Palmeiras, além de não tomar gols, Neneca teve participação direta no gol de Careca, dando o lançamento, como podemos constatar nesse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=9aUmTxzr_Xs

 Guarani campeão brasileiro em 1978. De pé: Miranda, Zé Carlos, Mauro, Neneca, Édson e Mauro. Agachados: Capitão, Renato, Careca, Zenon e Bozó.

Posteriormente Neneca ainda teve passagens também gloriosas pelo Operário (MS) e Londrina, novamente, onde sagrou-se campeão paranaense de 1981 e retornou anos mais tarde já no final de carreira.

Poderia ser apenas mais um caso de ex-jogador que por doença ou outro motivo, vem a falecer, mas para mim em particular, esse jogador traz lembranças da época em que iniciei minha paixão por futebol na infância, quando poucos brasileiros jogavam no exterior e os salários, mesmo dos craques, não eram milionários. Tempos em que as camisas dos times, sem marcas, estampavam apenas o escudo em mal feitas costuras. Os últimos tempos “românticos” do futebol brasileiro.

Um dos símbolos daquele tempo eram as memoráveis figurinhas do Futebol Cards, que acompanhavam chicletes e estampavam de um lado a foto do jogador e do outro, uma simpática ficha técnica em que, entre outras informações, constava prato predileto e filmes memoráveis. Do então goleiro campeão brasileiro, seu prato predileto era um singelo bife com batatas. 
Figura do Futebol Cards com a ficha do jogador (fundo)

Enfim, Neneca representa uma época em que os jogadores eram reconhecidos por apelidos ou nomes simples e o futebol não tinha toda essa publicidade e marketing de hoje. Atualmente, com essa história de futebol ser visto com um produto, assim como os jogadores, este esporte acabou deixando sua essência de lado e pra mim, um retrato fiel disso é o sumiço de apelidos nos jogadores e a sua substituição por nomes e sobrenomes. Enquanto o Guarani de 1978 começava sua escalação com Neneca e finalizava com Capitão, Careca e Bozó; atualmente a simplicidade foi extinta também das denominações dos jogadores. Um triste exemplo disso é a atual base do São Paulo. Não sei se é influência de empresários já pensando no mercado europeu ou se é ideia isolada de algum dirigente, mas o tricolor que chegou a semifinal da Copa São Paulo disputada agora mesmo mais parecia lista de aprovados no vestibular do que de jogadores de futebol, com nomes como Lucas Paes, Welligton Cabral, Vitor Tormenta, Matheus Reis, David Neres, Gustavo Hebling, Lucas Fernandes e Leonardo Prado em sua escalação. Um festival de nomes e sobrenomes que dificilmente ficarão na memória do torcedor. A julgar pela lógica atual, Pelé, Zico, Careca não teriam vez. Teríamos que nos acostumar com Edson Nascimento, Arthur Coimbra e Antonio Oliveira. E no dia 25/01/2015, teria falecido o ex-goleiro Helio Miguel.

 
Obs: a rica história do Neneca está retratada, com uma locução formal que lembra velhos tempos, em vídeo disponibilizado no site do Londrina: https://www.youtube.com/watch?v=h6hZ-WZs8qM