domingo, 3 de julho de 2016

Maurício Pereira: música e futebol

Maurício Pereira no show no Teatrol Paiol em janeiro de 2016 em Curitiba 

Em janeiro deste ano tive a oportunidade de assistir a um ótimo show do Maurício Pereira (músico independente que despontou quando fez dupla com André Abujamra em Os Mulheres Negras, no final dos anos 1980) no agradável Teatro Paiol, em Curitiba.

Trata-se de um músico que me traz boas lembranças da época da Universidade, quando havia uma imensa dificuldade em descobrir sons alternativos. Lembro de shows memoráveis dos Mulheres Negras em Campinas. Juntamente com André Abujamra, eles cobriam uma lacuna em termos de músicas mais inteligentes, fora do mainstream dominante das rádios.

E foi com esse espírito que fui ao show dele, levando inclusive disco e uma fita K7 pirata dos Mulheres Negras para autografar no final. E de fato o show valeu muito a pena. Entre as diversas músicas que tocou, concentrando-se principalmente no último disco, o criativo “Pra onde que eu tava indo”, ele apresentou uma que acabou não entrando na gravação final, cuja letra fala diretamente futebol.  Trata-se de “Quatro dois Quatro”, composta antes da Copa de 2014 (antes do 7 a 1, como ele mesmo frisou).

De acordo com depoimento dele durante o show, o futebol é ótima matéria-prima para filosofar sobre a vida. E foi com esse pensamento que escreveu a seguinte letra (transcrita aqui a partir da gravação que fiz no show, já que não consegui encontrar essa letra em algum site oficial e, portanto, provavelmente pode ter algum erro).

Jogar...e deixar jogar
Cadenciar.
Pra apanhar essa bola sem pressa
Buscar espaços, se apresentar
Sonhar e deixar sonhar
Sentir que tudo tem seu tempo
Deslumbrar
E prever o futuro
Levantar a cabeça e imaginar
Imaginar saber
Escrever para rolar
Fazer com a bola um risco no céu
E deixar a beleza correr
Todo esse risco
Beber com o infinito
Ralar a camisa
Brigar, romper, voltar
Sempre amadores, sempre juvenis
Atirar todo dinheiro pela janela e depois sair correndo atrás dele feito louco
E sempre sempre sempre ser a primeira vez sempre sempre
Perder sem medo de perder
Ganhar sem medo de perder
Perder sem medo de ganhar
Qualquer que seja o placar
Sentir, assumir e poder
E poder ...e poder chorar feito uma criança
É bola pra frente sem nostalgia nenhuma
Pois o coração é o nosso escudo
E um par de asas, o único peso que devemos carregar
Lá atrás, o goleiro faz o Sinal da cruz
E isso é o princípio de tudo
Achar a graça é a nossa missão
(narração de jogo)
Lá atrás, o goleiro faz o Sinal da cruz
E isso é o princípio de tudo
Achar a graça é a nossa missão

Tem uma gravação ao vivo no YouTube, junto com “Deixa eu te dizer”. Vale a pena ouvi-la para conhecer: https://www.youtube.com/watch?v=7srMVKRkO3c Quem sabe ele resolve gravá-la em algum próximo trabalho. Por enquanto, ficamos apenas com essa versão "pirata", digamos assim.

Esse paralelo que ele faz com o futebol não é de hoje. Em uma longa e excelente entrevista para o site Gafieiras (gafieiras.com.br), em 2001, corinthiano, ele diversas vezes, faz  referências ao futebol:

"Puta, vi o Ademir da Guia, o Pelé, o Rivelino. Sou do tempo do 4-2-4, que os pontas eram abertos, seu time perdia de 4 a 0 mas você ia para casa com tesão, “Porra, o Corinthians tomou de quatro, mas foi o Pelé que fez os quatro gols” [1].

Nessa mesma entrevista em conta que no início dos anos 1980, foi trabalhar na LC, que vendia um esquema de gravação para as rádios. A responsabilidade dele era escrever o texto do mês seguinte de uma FM que estavam criando. Nisso ele arriscou que o São Paulo seria campeão brasileiro contra o Grêmio em 1981, afinal tinha um time muito mais técnico. E errou. Segundo ele, esse foi a única bola fora dele nesse período:

"São Paulo ia jogar com o Grêmio no Morumbi. Ah! O São Paulo era muito melhor. O Grêmio tinha aqueles brutamontes e o São Paulo um monte de craques. “São Paulo foi campeão brasileiro ontem no Morumbi”

Demonstrando que é um artista com visão sobre o futebol, logo após a emblemática derrota frente à Alemanha na última Copa, compartilhou na sua página do Facebook uma análise bem sensata do Tostão, craque da seleção de 70, médico e que se revelou excelente colunista de futebol, em que lamenta a mentalidade vigente do atrasado futebol brasileiro dos últimos anos.

Enfim, bom saber que artistas criativos e de vanguarda como o Maurício Pereira também se preocupam de forma inteligente com o futebol brasileiro, afinal, como ele mesmo diz, achar a graça é a nossa missão.

Notas: [1] http://gafieiras.com.br/entrevistas/mauricio-pereira/8/


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