domingo, 20 de julho de 2014

João Ubaldo Ribeiro e a morte do futebol brasileiro.


Durante a Copa do Mundo, nos gramados o espetáculo era bonito de se ver, com festival de gols, belas defesas, times organizados e um clima festivo que se refletia fora dos gramados. Fora deles, nessas últimas semanas, enquanto o futebol perdia nomes importantes como Fernandão, Assis e Di Stéfano, no campo das ideias perdemos ainda dois dos mais relevantes pensadores nacionais: Rubem Alves e João Ubaldo Ribeiro.

Vascaíno e torcedor também do Vitória, o baiano João Ubaldo Ribeiro, além de grandes obras literárias, deixou também registros importantes no futebol. Há uma crônica dele publicada há cerca de um ano em que lembrava os tempos de juventude em que jogava bola sob a alcunha de “Delegado”, um zagueiro “bom de recursos discutíveis, mas bom de carrinho, chutão e reclamação com o juiz”, como ele mesmo definia. Após receber orientações do técnico em um jogo decisivo pelo seu time amador para atrapalhar o goleiro adversário chamado Gozila com uma “dedada na bunda dele”, ele assim fez. O goleiro, logicamente irritado, revidou com uma bofetada, deu uma baita confusão e depois de João Ubaldo negar perante o árbitro qualquer irregularidade, seu time conseguiu o pênalti, ganhou o jogo, o campeonato, mas ele passou a sair escoltado durante meses porque o Gozila queria pegá-lo de qualquer modo.

Muito tempo depois, já reconhecido escritor, foi chamado para ser Colunista do O Globo na Copa de 1994 enquanto no Brasil todos acompanhavam a caminhada daquela seleção rumo ao Tetra. Ao falar da seleção dos EUA, que assim como a atual, já era multicultural, saiu-se com essa:

No time americano, o técnico é sérvio, 15 jogadores são filhos de imigrantes originários de países onde se joga futebol e os outros são estrangeiros naturalizados, nascidos no Uruguai, El Salvador, Holanda, Alemanha e África do Sul. Talvez o nome certo devesse ser Nações Unidas, em vez de Estados Unidos

Logo após a conquista brasileira obtida na disputa por pênaltis contra a Itália, foi responsável por uma divertida crônica para narrar aquele feito:

“E o nosso gol que não saía! Achei que era porque eu tinha tirado a camisa, vesti a camisa disposto a morrer de insolação e desidratação pela pátria. Não adiantou, como vocês  viram. (...) Disputa de pênaltis. Ah, isso não, isso é mortal. Mas de novo não aguentei e foi aí – revelo este segredo em absoluta primeira mão – que ganhei o jogo para o Brasil.
Depois que Márcio Santos perdeu o primeiro pênalti, descobri que minha credencial estava virada ao contrário. Claro! Era só virá-la para o lado certo nos chutes do Brasil e pô-la ao contrário nos chutes da Itália. O resultado todo mundo sabe.” [1]

Ao brincar com isso, João Ubaldo Ribeiro tratava de uma característica quase que constituinte do povo brasileiro: a superstição de torcedores, que em época de Copa fica mais aguçada.

Nos últimos dias, ao mesmo tempo que lamentávamos o falecimento de João Ubaldo, a CBF, em evento oficial, apresentava suas soluções para dar um jeito no futebol brasileiro em entrevista coletiva, apresentando dois responsáveis pela comissão técnica: o ex-goleiro e empresário de jogadores, Gilmar Rinaldi, e Alexandre Gallo, técnico interino e da base, conhecido mais pela linha dura adotada ao não permitir que jogadores brasileiros usem brincos, cabelos compridos ou roupas chamativas, do que por qualquer título que tenha conquistado.

Ao que parece, tal como um torcedor supersticioso, a CBF encontra em cortes de cabelo ou em adereços para as orelhas as razões pelo fracasso apresentado em campo. Para esta instituição responsável pela (in)gerência do futebol brasileiro, melhor que os motivos pelos fiascos em campo estejam relegados a esses aspectos do que à sua própria incompetência.


Triste constatar que enquanto perdemos João Ubaldo Ribeiro, teremos que seguir adiante com a ultrapassada CBF, com Ricardos Teixeiras, Marins e Del Neros da vida. Diante desse quadro, difícil acreditar em um futuro melhor para o futebol brasileiro dentro de campo. Nem virando o crachá.

[1] Trecho encontrado em MARQUES, José Carlos, in LOGOS 33 Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 2010. (http://www.logos.uerj.br/PDFS/33/04_logos33_marques_cronicaesportiva.pdf)


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