Durante a Copa do Mundo, nos
gramados o espetáculo era bonito de se ver, com festival de gols, belas
defesas, times organizados e um clima festivo que se refletia fora dos gramados.
Fora deles, nessas últimas semanas, enquanto o futebol perdia nomes importantes
como Fernandão, Assis e Di Stéfano, no campo das ideias perdemos ainda dois dos
mais relevantes pensadores nacionais: Rubem Alves e João Ubaldo Ribeiro.
Vascaíno e torcedor também do
Vitória, o baiano João Ubaldo Ribeiro, além de grandes obras literárias, deixou
também registros importantes no futebol. Há uma crônica dele publicada há cerca
de um ano em que lembrava os tempos de juventude em que jogava bola sob a
alcunha de “Delegado”, um zagueiro “bom
de recursos discutíveis, mas bom de carrinho, chutão e reclamação com o juiz”,
como ele mesmo definia. Após receber orientações do técnico em um jogo decisivo
pelo seu time amador para atrapalhar o goleiro adversário chamado Gozila com
uma “dedada na bunda dele”, ele assim
fez. O goleiro, logicamente irritado, revidou com uma bofetada, deu uma baita
confusão e depois de João Ubaldo negar perante o árbitro qualquer
irregularidade, seu time conseguiu o pênalti, ganhou o jogo, o campeonato, mas ele
passou a sair escoltado durante meses porque o Gozila queria pegá-lo de
qualquer modo.
Muito tempo depois, já
reconhecido escritor, foi chamado para ser Colunista do O Globo na Copa de 1994
enquanto no Brasil todos acompanhavam a caminhada daquela seleção rumo ao
Tetra. Ao falar da seleção dos EUA, que assim como a atual, já era
multicultural, saiu-se com essa:
“No time
americano, o técnico é sérvio, 15 jogadores são filhos de imigrantes
originários de países onde se joga futebol e os outros são estrangeiros
naturalizados, nascidos no Uruguai, El Salvador, Holanda, Alemanha e África do
Sul. Talvez o nome certo devesse ser Nações Unidas, em vez de Estados Unidos”
Logo após a conquista brasileira
obtida na disputa por pênaltis contra a Itália, foi responsável por uma
divertida crônica para narrar aquele feito:
“E o nosso gol
que não saía! Achei que era porque eu tinha tirado a camisa, vesti a camisa disposto
a morrer de insolação e desidratação pela pátria. Não adiantou, como vocês viram. (...) Disputa de pênaltis. Ah, isso
não, isso é mortal. Mas de novo não aguentei e foi aí – revelo este segredo em
absoluta primeira mão – que ganhei o jogo para o Brasil.
Depois que
Márcio Santos perdeu o primeiro pênalti, descobri que minha credencial estava
virada ao contrário. Claro! Era só virá-la para o lado certo nos chutes do
Brasil e pô-la ao contrário nos chutes da Itália. O resultado todo mundo sabe.” [1]
Ao brincar com isso, João Ubaldo
Ribeiro tratava de uma característica quase que constituinte do povo
brasileiro: a superstição de torcedores, que em época de Copa fica mais
aguçada.
Nos últimos dias, ao mesmo tempo
que lamentávamos o falecimento de João Ubaldo, a CBF, em evento oficial,
apresentava suas soluções para dar um jeito no futebol brasileiro em entrevista
coletiva, apresentando dois responsáveis pela comissão técnica: o ex-goleiro e empresário
de jogadores, Gilmar Rinaldi, e Alexandre Gallo, técnico interino e da base, conhecido
mais pela linha dura adotada ao não permitir que jogadores brasileiros usem brincos,
cabelos compridos ou roupas chamativas, do que por qualquer título que tenha
conquistado.
Ao que parece, tal como um
torcedor supersticioso, a CBF encontra em cortes de cabelo ou em adereços para as
orelhas as razões pelo fracasso apresentado em campo. Para esta instituição
responsável pela (in)gerência do futebol brasileiro, melhor que os motivos pelos
fiascos em campo estejam relegados a esses aspectos do que à sua própria incompetência.
Triste constatar que enquanto
perdemos João Ubaldo Ribeiro, teremos que seguir adiante com a ultrapassada CBF,
com Ricardos Teixeiras, Marins e Del Neros da vida. Diante desse quadro,
difícil acreditar em um futuro melhor para o futebol brasileiro dentro de
campo. Nem virando o crachá.
[1] Trecho encontrado em MARQUES, José Carlos, in LOGOS 33 Comunicação e Esporte. Vol.17, Nº02, 2º semestre 2010. (http://www.logos.uerj.br/PDFS/33/04_logos33_marques_cronicaesportiva.pdf)
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