quarta-feira, 2 de julho de 2014

EUA e sua guerra interna com o futebol

Seleção dos EUA no jogo contra a Belgica em 1930. Bart McGhee é o primeiro agachado à direita. (fonte: http://grandesselecoes.blogspot.com.br/2010/03/estados-unidos.html)

Bélgica e EUA se enfrentaram hoje em mais um jogo sensacional desta Copa. Com nada menos do que 38 finalizações da Bélgica e 14 dos EUA, ao término da prorrogação o placar final de 2 x 1 para a Bélgica acabou não refletindo o que foi o jogo diante das  inúmeras chances reais de gols para ambos os lados. Só o goleiro Howard, dos EUA, fez nada menos de que 16 defesas, muitas difíceis. Foi uma bela forma de homenagear a Copa com a repetição do duelo que abriu a 1ª Copa do Mundo, em 1930 no Uruguai.

Há 84 anos, aquele jogo que terminou com a vitória dos EUA por 3 x 0. Embora possa parecer, o resultado não foi surpresa diante das circunstâncias.

Por um lado a presença da Bélgica naquela Copa pode ser atribuída exclusivamente à interferência de um de seus dirigentes – Rodolphe Seeldaryes - que também ocupava a vice-presidência da FIFA. Diante das dificuldades logísticas para viagens internacionais naquela época, a FIFA interferiu como pôde para trazer seleções europeias e, no fim, quatro toparam a epopeia: Bélgica, França, Romênia e Iugoslávia. Além das dificuldades em relação às longas viagens de navio nos primórdios do profissionalismo no futebol para chegar ao Uruguai, a seleção belga ainda chegou desfalcada de seu principal jogador, Raymond Braine, que não foi liberado pelo Sparta Praha, time em que atuava na Tchecoslováquia.

Por outro lado, o selecionado dos EUA naquela época foi constituído principalmente por imigrantes mais familiarizados com o futebol, em sua maioria escoceses, como Bart McGhee, autor de dois gols naquela partida. O primeiro deles por poucos minutos não entrou para a história como o primeiro tento marcado nas Copas [1].

Hoje, 1º de julho de 2014, as duas seleções voltaram a campo para travar o seu segundo confronto na história das Copas. Após um empate sem gols no tempo normal, a Bélgica conseguiu confirmar o ligeiro favoritismo e garantiu a vitória por 2 x 1 na prorrogação em um jogo recheado de emoções.

Em comum entre os dois jogos distantes no tempo, o fato da seleção dos EUA ser constituída em sua maioria por descendentes de imigrantes, latinos e europeus, motivando reações contrárias por parte de uma ala conservadora daquele país em uma verdadeira batalha contra o futebol. Nos últimos dias, a colunista Ann Coulter colocou mais lenha nesta fogueira ao publicar um artigo condenando o interesse da população local por este esporte. Para ela, o interesse pelo futebol seria um “sinal do declínio moral da nação".  

Esta oposição ao crescimento do interesse pelo futebol nos EUA não algo recente. Franklin Foer, em seu livro Como o Futebol Explica o Mundo, já abordava este aspecto como parte integrante de uma “guerra cultural” que opunha, nos anos 1980, conservadores que defendiam a moral de um lado, contra os liberais que apoiavam a modernidade e o pluralismo de outro. Neste contexto, a ala conservadora criou até um lobby antifutebol, que contava com importantes colunistas e comentaristas. Como exemplo da atuação deste lobby, pode-se citar Tom Weir, do USA Today, que procurava estreitar os laços entre os legítimos representantes dos EUA com a recusa ao futebol ao afirmar que “detestar esse esporte é mais norte-americano do que a torta de maçã, dirigir uma picape ou passar as tardes de domingo zapeando na TV”  


Diante disso, resta desejar que o belo legado que a seleção dos EUA deixou nesta Copa com Howard, Dempsey e Jones sirva como um importante golpe contra este grupo contrário ao desenvolvimento do futebol naquele país. O mundo agradecerá.


[1] O primeiro gol na história das Copas acabou sendo marcado pelo francês Laurent aos 19 minutos do 1º tempo, no jogo entre França e México, que foi disputado simultaneamente ao EUA x Bélgica. O gol de McGhee foi anotado aos 22 do 1º tempo.

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