Momento em que os jogadores posaram juntos antes do jogo entre Irã e EUA na Copa do Mundo de 1998.
Em 1968, o Irã sediou a fase final da Copa das Nações Asiática de futebol, principal torneio continental, e chegou ao jogo decisivo de contra Israel. Ao contrário de países árabes, o ditador Xá Reza Pahlevi que governava o Irã reconhecia o país judeu e aceitava competir no âmbito esportivo, de modo que, visando estreitar laços com os EUA, queria que todo o povo iraniano, presente ou não ao estádio, apoiasse Israel.
Entretanto, naquela ocasião o
povo iraniano, em sua grande parte, não estava de acordo com essa política e
concentrou todos os esforços para pressionar Israel durante o jogo. Incentivada por um estádio lotado, a seleção
iraniana foi pra cima, ganhou de 2 x 1 e faturou o seu primeiro torneio
continental. De acordo com Foer (2005), esta vitória “adquiriu um significado mítico. Compositores populares transformaram-na
em canções. Os jogadores viraram ícones nacionais cujos chutes e passes eram
recriados pelas crianças em milhares de peladas em ruas” [1]. Confira lances da partida aqui:
Dez anos depois, ainda sob o
governo de Xá Reza Pahlevi, o futebol iraniano chegou pela primeira vez em sua
história a uma Copa do Mundo, disputada na Argentina, quando perdeu dois jogos
e conseguiu um empate com gosto de vitória contra a Escócia.
Naquela época o futebol já
assumia um caráter fundamental não só culturalmente dentro do país persa, como
também politicamente. O fato é que o
futebol desperta tanta paixão naquele povo que é capaz de levar uma média de
100.000 torcedores ao estádio Azadi sempre que estõ em campo Persépolis e
Esteghlal, os principais times de Teerã. Persépolis, o time vermelho, é o mais
popular enquanto Esteghlal, time azul que na época do Xá Reva Pahlevi
chamava-se Taj (significa Coroa), estava mais ligado com a elite iraniana.
Com a revolução iraniana de 1979,
Aiatolá Khomeini assumiu o poder e, buscando diminuir o que julgava ser
influência ocidental na cultura local, tentou minimizar a importância do
futebol (o Taj virou Esteghlal na tentativa de desassociar com “Coroa”). Foi proibida
a presença de mulheres nos estádios e intensificado o controle sobre manifestações
de torcidas. Entretanto, logo foi constatado que não seria tarefa tão simples
assim. Embora o país, em guerra contra o vizinho Iraque, não tenha disputado
eliminatórias para a Copa do Mundo de 82 e 86, o futebol continuava ter uma importância
muito grande, comprovada quase vinte anos depois.
Em 1997, ao obter a classificação
em um jogo eliminatório contra a Austrália para a Copa do Mundo de 1998, o
governo local retardou em três dias o retorno da seleção para casa com receio
de que novas comemorações nas ruas fugissem do controle. Mas de nada adiantou e
até um grupo relativamente grande de mulheres conseguiu romper a proibição e
comparecer ao estádio para aclamar seus jogadores na sua chegada. Aos policiais
locais, restou fazer vistas grossas à tamanha “heresia”. No ano seguinte, em
sua segunda Copa do Mundo, com gols de Estili e Mahdavikia,
a seleção iraniana conseguiu sua primeira vitória nesse torneio justamente diante
dos EUA, no que ficou conhecido como “jogo da paz”. Antes do início os times
ainda posaram juntos para foto e os jogadores iranianos, em um belo gesto,
presentearam os jogadores estadunidense com flores.
Os gols estão aqui: https://www.youtube.com/watch?v=zS7Pq3WIBeY.
A euforia com a vitória foi tanta
que acabou se transformando na maior manifestação popular desde a Revolução
Iraniana de 1979. Além disso, as manifestações de um grupo de exilados
iranianos chamado Mujahidin nas arquibancadas francesas acabaram sendo motivo
de preocupação a mais para o governo dos Aiatolás.
Agora, às vésperas de sua 4ª.
Copa do Mundo, no momento em que o governo iraniano tenta proibir mulheres de
assistirem jogos em locais públicos ao lado de homens, a esperança é de que o futebol
local continue servindo de combustível para impulsionar importantes mudanças no
campo social que a sociedade iraniana tanto tem lutado. É esperar pra ver... e
torcer.
[1] FOER, Franklin. Como o Futebol Explica o Mundo, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2005.
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