terça-feira, 3 de junho de 2014

Irã, onde o futebol move montanhas

Momento em que os jogadores posaram juntos antes do jogo entre Irã e EUA na Copa do Mundo de 1998.

Em 1968, o Irã sediou a fase final da Copa das Nações Asiática de futebol, principal torneio continental,  e chegou ao jogo decisivo de contra Israel.  Ao contrário de países árabes, o ditador Xá Reza Pahlevi que governava o Irã reconhecia o país judeu e aceitava competir no âmbito esportivo, de modo que, visando estreitar laços com os EUA, queria que todo o povo iraniano, presente ou não ao estádio, apoiasse Israel.

Entretanto, naquela ocasião o povo iraniano, em sua grande parte, não estava de acordo com essa política e concentrou todos os esforços para pressionar Israel durante o jogo.  Incentivada por um estádio lotado, a seleção iraniana foi pra cima, ganhou de 2 x 1 e faturou o seu primeiro torneio continental. De acordo com Foer (2005), esta vitória “adquiriu um significado mítico. Compositores populares transformaram-na em canções. Os jogadores viraram ícones nacionais cujos chutes e passes eram recriados pelas crianças em milhares de peladas em ruas” [1].  Confira lances da partida aqui:

Dez anos depois, ainda sob o governo de Xá Reza Pahlevi, o futebol iraniano chegou pela primeira vez em sua história a uma Copa do Mundo, disputada na Argentina, quando perdeu dois jogos e conseguiu um empate com gosto de vitória contra a Escócia.

Naquela época o futebol já assumia um caráter fundamental não só culturalmente dentro do país persa, como também politicamente.  O fato é que o futebol desperta tanta paixão naquele povo que é capaz de levar uma média de 100.000 torcedores ao estádio Azadi sempre que estõ em campo Persépolis e Esteghlal, os principais times de Teerã. Persépolis, o time vermelho, é o mais popular enquanto Esteghlal, time azul que na época do Xá Reva Pahlevi chamava-se Taj (significa Coroa), estava mais ligado com a elite iraniana.

Com a revolução iraniana de 1979, Aiatolá Khomeini assumiu o poder e, buscando diminuir o que julgava ser influência ocidental na cultura local, tentou minimizar a importância do futebol (o Taj virou Esteghlal na tentativa de desassociar com “Coroa”). Foi proibida a presença de mulheres nos estádios e intensificado o controle sobre manifestações de torcidas. Entretanto, logo foi constatado que não seria tarefa tão simples assim. Embora o país, em guerra contra o vizinho Iraque, não tenha disputado eliminatórias para a Copa do Mundo de 82 e 86, o futebol continuava ter uma importância muito grande, comprovada quase vinte anos depois.

Em 1997, ao obter a classificação em um jogo eliminatório contra a Austrália para a Copa do Mundo de 1998, o governo local retardou em três dias o retorno da seleção para casa com receio de que novas comemorações nas ruas fugissem do controle. Mas de nada adiantou e até um grupo relativamente grande de mulheres conseguiu romper a proibição e comparecer ao estádio para aclamar seus jogadores na sua chegada. Aos policiais locais, restou fazer vistas grossas à tamanha “heresia”. No ano seguinte, em sua segunda Copa do Mundo, com gols de Estili e Mahdavikia, a seleção iraniana conseguiu sua primeira vitória nesse torneio justamente diante dos EUA, no que ficou conhecido como “jogo da paz”. Antes do início os times ainda posaram juntos para foto e os jogadores iranianos, em um belo gesto, presentearam os jogadores estadunidense com flores.

A euforia com a vitória foi tanta que acabou se transformando na maior manifestação popular desde a Revolução Iraniana de 1979. Além disso, as manifestações de um grupo de exilados iranianos chamado Mujahidin nas arquibancadas francesas acabaram sendo motivo de preocupação a mais para o governo dos Aiatolás.

Agora, às vésperas de sua 4ª. Copa do Mundo, no momento em que o governo iraniano tenta proibir mulheres de assistirem jogos em locais públicos ao lado de homens, a esperança é de que o futebol local continue servindo de combustível para impulsionar importantes mudanças no campo social que a sociedade iraniana tanto tem lutado. É esperar pra ver... e torcer.

[1] FOER, Franklin. Como o Futebol Explica o Mundo, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2005.

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